quinta-feira, 26 de julho de 2007

A música e o corpo

Um amigo jornalista, Alexandre Staut,
fez uma entrevista com o Lenine, para uma matéria
sobre o Grupo Corpo, publicada na Gazeta Mercantil.

Depois de ter colocado no ar o texto abaixo, ele mandou um depoimento do compositor, que mostra a relação da coreografia com a música, de como a dança pode enriquecer e ampliar as canções.

"Chamado para um dos ensaios da companhia, Lenine diz ter percebido, pela primeira vez, a tridimensionalidade de sua música. 'Rodrigo aproveitou a sucessão de instrumentos nos mínimos detalhes. A música acabou ganhando relevos inesperados', diz o músico que criou oito movimentos, nos quais usou até mesmo uma 'Briga de Cachorro Grande', estilo musical nordestino em que dois instrumentos de sopro dialogam."

terça-feira, 24 de julho de 2007

Retomando a história






Na próxima semana, o Grupo Corpo estréia nova temporada, em São Paulo, à moda de uma fórmula testada e reinventada por ele mesmo: a união de quatro elementos de cena, coreografia, trilha sonora especialmente composta, figurino e cenário. Breu, de Rodrigo Pederneiras, tem colaboração de Lenine como compositor.

Segundo a divulgação do espetáculo, Pederneiras reconstrói seu vocabulário. Despede-se da evidente sensualidade e da fonte popular, por exemplo, para um código de estranhamento, como o uso mais assíduo do solo. Com essa expectativa, a companhia mineira tenta recriar o próprio caminho, como fez no início da década de 1990.

Passado e futuro

Do ponto de vista coreográfico, 21, peça de 1992, representou o ponto de encontro entre passado e futuro, e iniciou de forma mais clara a combinação de movimentos da tradição clássica (que é a base de formação dos bailarinos da companhia) aliada a impulsos vindos das danças populares, das tradições locais e do próprio modo de se movimentar no Brasil, que resultaram no jeito de dançar da companhia. Com trabalhos como esse, e sistematicamente, o Grupo Corpo ajudou a encabeçar a noção de uma dança brasileira, sem estereótipos. Essa noção não era mais ligada a uma dança nacional estilizada em gestos clássicos nem estava vinculada à idéia de passos com pendores folclóricos ou exóticos. Embora as coreografias de Rodrigo Pederneiras dessa época não eliminem nenhuma dessas idéias, os resultados retomam criticamente o caldeirão de influências e a história da nossa dança – e até mesmo da nossa falta de tradição.

Sobre esse assunto, Arthur Nestrovski escreveu: “[...] o Grupo Corpo inventou o Brasil muitas vezes. Invenção é melhor que descoberta, porque não se trata simplesmente de recolher o que está aí, ou encontrar o escondido. ‘O papel do artista criador não é figurar uma nacionalidade, mas transfigurá-la’, já dizia Mário de Andrade (numa carta ao compositor Camargo Guarnieri, de agosto de 1934). As transfigurações brasileiras eram uma questão em 1975, em pleno período da repressão militar, e são outra hoje, quando aquilo a que se resiste não tem rosto, nem definição clara. Mas num como noutro contexto, as intuições de uma arte do Brasil estão no centro de tudo o que o Corpo faz – no centro ou à frente, como uma pedra ou um quadrado, atrás do qual se vislumbra um estilo de ser.”[1]

O Grupo Corpo, nessa década de 1990, reconstitui e amplia a trajetória da dança brasileira. Pode-se dizer também que a internacionalização da dança nacional, em grande medida, passa por seu desempenho e sua ascensão à época. Esse ápice não representava uma ruptura com o passado da companhia, mas uma evolução desde seu surgimento nos anos 1970.
Os anos 2000

O primeiro trabalho dos anos 2000, O Corpo, com música de Arnaldo Antunes, teve a intenção de apontar um novo caminho. Ainda que o tema árido das cidades fosse distintos de espetáculos anteriores como Parabelo (1997), o modo de coreografar manteve-se apoiado na maneira de ocupar o espaço e de se movimentar de peças da mesma época.

Santagustim (2002) e Onquotô (2005) revelam novamente a manutenção da linha de criar de Rodrigo Pederneiras: várias seqüências simultâneas que se complementam, sem jamais se chocar, valorizando o palco, os gestos, a posição do conjunto dos bailarinos.

Ao que parece, Breu vem com um novo olhar para o corpo contemporâneo, com uma ruptura dos padrões que já qualificaram o grupo, como o jogo de quadris e a rapidez nos braços e pernas.

foto: José Luiz Pederneiras

[1] NESTROVSKI, Arthur. “Faca das Palmas”. In: BOGÉA, Inês (Org. e apresentação). Oito ou nove ensaios sobre o Grupo Corpo. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Para além da dança




Aos 59 anos, Mikhail Baryshnikov estreou ontem no Brasil, em Joinville. Há muitas expectativas em torno de seu nome. Na dança, depois de Nureyev (1938-1993), ele é único a ser conhecido e reconhecido além dela. Mesmo quem nunca viu um passo de balé consegue associá-lo aos palcos, uma estrela que transita entre públicos distintos.


Eu o vi dançar em 1998, em São Paulo, em sua turnê com coreografias em comemoração aos seus 50 anos. Não tinha mais as piruetas, os saltos e outras seqüências que o tornaram uma lenda entre solistas masculinos. Mas sua presença no palco ainda era impressionante: a concentração imperturbável, a disposição de deixar todos os passos aparentes, os movimentos precisos, o uso do tronco e dos braços. À época, fiz a seguinte observação em uma crítica no Caderno Fim de Semana, da Gazeta Mercantil, onde trabalhava: "Baryshnikov não é do tipo de bailarino que dança com um certo desprendimento, com ar de que o que está fazendo é muito simples".

Seu carisma parece uma combinação desses atributos porque ele não é sorridente, tem o rosto pálido e fundo, não é alto, é muito magro. Ou seja, foge de qualquer clichê de beleza ou popularidade.

A crítica americana Arlene Croce escreveu certa vez que ele seria um gênio em qualquer arte que se lançasse por sua capacidade de entender e transformar a técnica, um trabalho minucioso de paciência, que inclui dedicação e regularidade. "Deus é paciência", escreveu Guimarães Rosa.



Foto: Marcela Benvegnu


Dona Eugenia

Eugenia Feodorova morreu na última segunda-feira, no Rio de Janeiro, aos 82 anos. Chegou ao Brasil em 1954, a convite de Dalal Achcar, para montar o Ballet do Rio de Janeiro, e, apesar de achar o país um tanto confuso, acabou ficando.
Formou muitas gerações de bailarinos, no Teatro Municipal do Rio e na sua escola, em Copacabana. Era reconhecida e respeitada pelo rigor e olho clínico nas aulas e, sem dúvida, ajudou a fortalecer a dança no Brasil, particularmente no Rio de Janeiro.
Foi a primeia a montar a versão completa do "O Lago dos Cisnes", em 1959, no Brasil.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Corpo Invisível

Mês passado (edição de junho) saiu uma matéria minha na Revista TPM, com o mesmo título citado acima. O texto a seguir está na íntegra, sem os ajustes finais da revista.

Corpo Invisível

Tudo começou com uma dor nas costas e duas perguntas: o que o corpo feminino suporta hoje? Quais suas travas? Aliviada a dor, ainda questionei: quais suas expectativas? Na reportagem que você lê a seguir, quatro engenheiros do corpo feminino contam por que achamos normal viver travadas, com dores nas costas, nos ombros, nos joelhos....

Sentir dores nas costas, ombros, pernas, joelhos e ver corpos novos, de 20 ou 30 anos, quase imobilizados tornaram-se coisas comuns. Estranho pensar assim? Mais esquisito ainda é perceber que tantas dores e incômodos estão longe de ser normais e só damos atenção a eles quando a luz vermelha acende. Ou seja, quando percebemos que deixamos de fazer coisas legais – e vitais – por limitações corpóreas que não deviam existir na nossa idade.

Alguns séculos atrás, o corpo era apenas o veículo de nossa alma, indigno, portanto, de sequer ser lembrado. Em tempos atuais, ele entrou na ordem do dia e todo mundo, mesmo que não esteja pensando 24 horas nisso, carrega alguma preocupação ou cuidado. Por isso, em busca de saúde ou de beleza, muitos se comprometem com algumas horas de exercícios na semana. Mas, de modo geral, há um descompasso na situação porque, repetidas vezes, movimentar-se ficou tão prazeroso quanto enfrentar uma longa fila no banco. Cumpre-se uma obrigação com o corpo e, depois, ele é eliminado das atenções do resto do dia.

É aí, nessa dissociação, que está a causa de tantas dorzinhas ou travas. De modo prático, o corpo que faz exercícios é o mesmo que vai ao supermercado, ao cinema, à festa, ao bar, à escola do filho. Com ou sem barriga, com mais ou menos celulite, ele não é uma entidade separada da vida. O certo é que muitas vezes só o percebemos quando ele “fala mais alto”, incomoda ou, mais grave, trava.

Ao mesmo tempo em que hoje contamos com uma supersofisticação profissional, ainda somos meio brutas quando pensamos nele: não conseguimos saber direito para quê o corpo serve e como pode nos ajudar a melhorar concretamente o dia-a-dia. É fácil cair na armadilha de que o ideal ainda é ser magra, magérrima para dar a exata medida. Nesse caso, a frase do psicanalista Eduardo Furtado Leite é pontual: “A mente sã em corpo são tornou-se promessa de mente satisfeita e feliz em corpo explorado, otimizado, construído com recursos científicos ou não”.

À vontade de manter o corpo alinhado aos padrões atuais soma-se o exagero em exercícios descabidos, dietas malucas, sacrifícios no lugar do prazer. E o corpo perfeito não chega, não aparece. Na combinação entre trabalho intenso e muito exercício, um dia o corpo pára, sem mais nem menos. Dores nas costas insuportáveis preocupam mulheres de 20 e poucos anos, as pernas sofrem para subir escadas.

Se isso não acontece com você, com certeza tem aquela amiga que vive reclamando do mal-estar com o corpo. Ombros, costas, quadris, joelhos – nesses lugares, estão os pontos de enrijecimento do corpo feminino mais freqüentes. E é triste constatar que isso é fruto de um envelhecimento precoce – isso mesmo, aos 20 e poucos anos – que significa mais inabilidade para o movimento do que idade avançada.

E tanta dor pode comprometer o desejo sexual, porque o corpo não consegue mexer-se com facilidade, para desgosto das que lutaram por essa liberdade. “Se eu for pensar em tensões atuais, a tendência da mulher não era ter dor nos ombros. Hoje elas têm. São couraças atuais e que não são originadas em traumas da infância, são mecanismos de defesa”, diz o psicoterapeuta José Eduardo Abdallah. Entre outras fontes, ele trabalha com base nas idéias do psiquiatra e discípulo dissidente de Freud, Wilhelm Reich, que defendia que o corpo acumula tensões em pontos específicos, com fundo emocional, bloqueando o fluxo natural de energia. Sendo assim, José Eduardo acredita que 95% das dores são somatizações ou “couraças musculares”.

Ivaldo Bertazzo, Bianca Marinho, Silvia Soter e José Maria Carvalho são profissionais que estudam o corpo, seu movimento, sua força e sua função. Criadores de métodos e teorias diferentes sobre corpo e movimento,os quatro revelaram a mesma opinião de que o corpo feminino sofre, não raro, as conseqüências de duas palavras já institucionalizadas: jornada dupla. Em geral, os efeitos desse corpo travado vêm de uma rotina de ficar muito tempo sentada e das tensões do trabalho, da casa, do trânsito. Entre muitos estudos que se debruçam sobre os rumos do corpo, esses profissionais o estudam e pensam de forma sistemática e, sem serem impositivos, nos dão alguns caminhos para entendermos o que o corpo feminino carrega e suporta. Com diferentes visões, a seguir, eles falam de suas técnicas e de como o corpo, afinal, é integrado à vida, mesmo que, muitas vezes, pareça invisível.

Matéria publicada na Revista TPM, edição 66, junho de 2007.

Vivacidade do corpo

Como bom artista, Ivaldo Bertazzo viu nos gestos cotidianos, estes que todos fazemos sem nos dar conta – pegar o açúcar, amarrar os sapatos, comer – um modo de dançar. É aparentemente simples, porque evidencia a capacidade humana de movimentar-se. Nessa ação elementar encontra-se a chave de seu longo projeto, mais de 30 anos, como profissional além dos palcos, o educador do movimento. Suas aulas recobram a necessidade de mudarmos constantemente de posição. “O corpo é submetido à gravidade e ele luta, até morrer, contra ela. Ele muda de forma o tempo todo porque a vertical suprema que atingiu é também sinônimo de enrijecimento. Ela só pode existir, essa soberba vertical, quando você está caminhando, é quando ela é plena. A partir daí, tudo é dor, cansaço e rigidez”, diz Ivaldo Bertazzo. Para comprovar, pense quando fica sentada mais de duas horas seguidas, as costas começam a doer, os ombros não encontram uma posição confortável, vai travando, criando tensões. Se o corpo não se mexe, endurece, fixa-se em posições estanques – o que não é natural. “O corpo precisa mudar de forma o dia inteiro: agachar, sentar, deitar, rolar no chão. Quem está fazendo isso diariamente como um mecanismo de sobrevivência?”. Com a falta de movimento, ele perde, pouco a pouco, a vivacidade. E, nós, segundo Ivaldo Bertazzo, somos muito mais do que um corpo. “Ele é um instrumento: de comunicação, de relação, de percepção, de sensação, de barato, de poder em alguns momentos.” E como instrumento tem sua objetividade, comemos, andamos, sentamos. Em um mundo cada vez mais ágil, rápido e digital, a mobilidade parece, cada dia, mais restrita. Passar o dia em frente ao computador ou em reunião hoje é a rotina das pessoas, inclusive a feminina. “O problema é hierárquico, estamos vivendo um esfacelamento das funções de cada um nesse período, então os corpos femininos correm de um lado para o outro para se adaptar. Há uma hiper solicitação”. De modo mais explicativo, as mulheres assumiram funções masculinas (muitos homens também começam a ter seus papéis revistos), o trabalho fora de casa, a provisão. Por outro lado, ainda são mães e organizadoras. “Tem que saber que ela sai desse papel masculino necessário na empresa e vira a mãe. E que é importante e natural chegar em casa e agachar, se adaptar ao filho pequeno – e não o contrário, fazer a criança se adaptar a ela porque não consegue mais dobrar a virilha. Sem “tirania”, Ivaldo Bertazzo ressalta que prestar atenção a pequenos atos pode mudar a vida. “No banho, por exemplo, sinta a água circulando na sua pele, e a sustentação do esqueleto, subindo em uma cama elástica e balançando o corpo”.

Publicada na revista TPM - edição 66, junho de 2007

Questões do corpo

O nome da técnica, “balance alongamento”, pode, em um primeiro momento, assustar. Afinal, tanto tempo parado em uma cadeira faz com que, hoje, o alongamento seja coisa para corajosos. Quando Bianca Marinho, fisioterapeuta e autora do método ao lado da irmã, Jacqueline Santana Porto, explica, ele parece mais claro e menos doloroso: “Trabalhamos as articulações do corpo para que você possa utilizar o músculo sem restrição. É o condicionamento mais saudável possível.” As irmãs, conhecidas no Rio de Janeiro por fazer gente travada voltar a viver mais solta, chegaram a esse método, que combina fisioterapia, RPG, pilates e osteopatia (sistema que localiza e trata as restrições do movimento que atingem o corpo), ao observarem as lesões provocadas pelo esforço excessivo do corpo. Para Bianca, as maiores limitações do corpo feminino também esbarram na questão do “sair de casa para trabalhar”. Não que seja um problema em si o fato de ter uma profissão, mas ficar muito tempo na mesma posição, em geral sentada, prejudica a essência da nossa estrutura. “O corpo não é uma armação para ficar estática. Se ela fica muito em uma posição, começa a causar acomodações que podem levar a possíveis lesões.” Bianca vê de tudo nos atendimentos feitos em sala de aula ou particulares. Mas, hoje, as maiores travas femininas estão nas dores lombares. “Para ficar muito tempo sentada, é preciso uma força abdominal maior, para não comprometer a coluna”, diz. Mais graves, alguns casos chegam até elas com o joelho fora do eixo, pés que vão perdendo o arco. A falta de tempo e de hábito não ajuda para que essa inércia seja suprida. Mais do que colaborar para a flacidez, o que é verdade, segundo Bianca, ficar muito tempo sentado provoca uma restrição muscular que, por sua vez, vai restringir a ação. Ou, em outras palavras, os movimentos ficam mais difíceis, mais doloridos. A receita para melhorar a situação vai desde caminhadas simples, usar escadas, quando possível, eliminar o sedentarismo sem exageros, sem correr o risco de machucar-se.
(Publicado na revista TPM, edição 66, junho 2007)

Uma coisa de cada vez

Em um dia comum, distraídos dos próprios movimentos, fazemos tudo no “piloto automático” e com pressa: falamos ao telefone, mandamos e-mails, entramos e saímos do carro. Muitas vezes, duas ou três ações são coordenadas ao mesmo tempo. Nessa afobação a que somos submetidos diariamente e sem conseguirmos fazer uma coisa de cada vez, não é difícil o corpo perder suas habilidades, ficar travado e, o que parece mais grave, começar a se privar de situações comuns, como subir e descer escadas. “As pessoas não têm ânimo para fazer alguns movimentos. Você fala, vamos fazer uma caminhada? O joelho e as articulações doem. Cada vez o movimento machuca mais e apresenta dificuldade para a pessoa. Ela sente dor, incômodo ou pouca habilidade e vai deixando de fazer, vai se privando pouco a pouco”, diz José Maria Carvalho, coreógrafo e diretor do Espaço Arte e Viver, em São Paulo, que usa o método Feldenkrais. Antes de seguir, é importante colocar que o método trabalha o movimento, não o corpo. De modo objetivo, ele busca maneiras de melhorar uma função como deitar, levantar. “O movimento parece que é aquilo que a gente mais sabe. Muitas vezes você sente alguma coisa e só vai ter certeza daquilo quando amplia e vira um movimento. A respiração se ofega, a musculatura se contrai”, diz José Maria. No que compete ao seu trabalho, ele ensina que é preciso fazer uma coisa de cada vez. Em um único exercício de feldenkrais, cada movimento tem começo, meio e fim. “Para viver em São Paulo (ou em outra cidade grande), você precisa fazer muitas coisas, mas é importante ter a capacidade de fazer uma de cada vez”, afirma. Para o coreógrafo, o acúmulo de várias ações é a principal causa das travas corpóreas. “Com o tempo, nosso corpo não consegue mais fazer bem aquelas funções que nasceu para fazer como levantar, sentar, andar.” Mais que isso, as dores despontam. Primeiro as dores nas costas, as mais comuns, segundo José Maria. Em estados um pouco mais complicados, as pessoas sentem incapacidade de agachar, porque não têm mais articulações nos quadris, ou sentem dificuldades para andar porque os joelhos estão deformados. “Depois, aparecem hérnias de disco, bicos de papagaio.” Nas suas aulas, ele conta, grande parte das pessoas chega pensando na boa forma e não no corpo como um instrumento funcional, que permite a elas ter qualidade de vida, com 20, 30, 40, 50 ou 90 anos. “Exercitar o corpo não nos dá funcionalidade, mobilidade, desenvolvimento, pode ser que sim e pode ser que não. Trabalhar o movimento funcional sim. Necessariamente traz um corpo bonito, capaz de realizar as funções nas várias idades da vida, com desenvoltura e leveza.”

Publicada na revista TPM - edição 66, junho de 2007

Necessidades e limites do corpo

É de desgastar que, mesmo quando cansadas, ainda assim não conseguimos perder de vista o padrão “lindas, loiras e de batom”. A frase é da carioca Silvia Soter, professora que trabalha consciência corporal (ela também é bailarina e crítica de dança), por meio do método Ehrenfried. Essa situação em muito se deve à falta de reconhecimento do próprio corpo: é como se ele fosse um objeto estranho, que levamos para passear, correr, comer e, mais longe, moldamos sem parar. Existe, no seu entender, um desajuste entre o que vemos e o que esperamos para o corpo feminino. “Há uma exigência de padrão junto com uma insatisfação do corpo para fora, da imagem”, diz. Não por acaso, as cirurgias plásticas são tão procuradas. Outra questão importante, a preocupação com a aparência também machuca fisicamente algumas mulheres. Na observação de Silvia Soter, muitas chegam com problemas físicos devido ao exagero, à falta de limite na hora de malhar. Em outra situação limite, o sedentarismo é outro vilão do corpo. “Muitas profissionais vivem do carro para o elevador, do elevador para o carro. Entram no escritório, digitam o dia inteiro, são supersolicitadas no trabalho, em casa precisam organizar a vida dos filhos ou só a dela”. Não é difícil prever a tensão desse corpo, com dores nas costas, nos quadris, nos joelhos. A solução proposta por ela está em buscar movimentos que potencializem a capacidade da mulher em cada etapa da vida. “Quando a mulher consegue habitar o próprio corpo de uma forma melhor, a insatisfação fica mais relativa”, diz, lembrando que ela usa a respiração para ajudar a organizar o movimento. “Muitas pessoas chegam aqui dizendo que querem corrigir a postura. Mas é importante entender que, em uma única pessoa, a boa postura se harmoniza com a necessidade da vida”. Ou seja, o corpo precisa de flexibilidade para viver as emoções. Em suas aulas, em média, a variedade de idade das mulheres oscila entre 13 a 80 anos – por curiosidade esta é também a condição dos outros entrevistados. “Eu sinto, como primeira questão, que elas querem se adaptar às necessidades e limites da idade. Eu ajudo fortalecendo as potências de cada uma. Envelhecer não é perder, é preciso aprender a usar melhor a capacidade do corpo nas diferentes fases da vida”.

Publicada na revista TPM - edição 66, junho de 2007

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Sábado no municipal

Fui ver o novo espetáculo de Célia Gouvêa, Corpo Incrustrado, na escadaria do Teatro Municipal, no último sábado, dia 02 de julho. Desde o início do meu mestrado* (defendido em junho passado), estava rondando seus trabalhos. Como na década de 1970, seu despertar como coreógrafa, Corpo Incrustrado incorpora à dança outras artes; nesse caso, o teatro e a música.
Célia tem a capacidade de realmente integrar um ao outro, sem soar colagem, e faz do edifício, presente na imaginação e na cidade, e de sua arquitetura pontos de partida para a peça.
No começo, no segundo andar do prédio, um grupo de cinco atores, vestidos à moda de um teatro dell´arte, ocupam as sacadas em poses reais. No meio, um saxofonista, que manterá o som de todo o espetáculo. Os bailarinos surgem pela entrada principal, todos em branco e preto, e ocupam o desenho da frente do teatro.
A montagem não foge de sua concepção, ocupar o lugar, dar vida ao que parece localizado em um tempo distante. Os 14 bailarinos dançam nas escadas, muretas, postes, portas, monumentos, em plena luz do dia, com tudo acontecendo ao lado, o comércio, a música, o passeio. Eles vão se misturando em grupos pequenos, trios, duetos, solos, com muitas cenas simultâneas. Um novo tempo para Célia Gouvêa.



* Mestrado defendido na Puc-SP - A crítica e a dança - uma análise de suas relações na cidade de São Paulo