Ainda não vi Cisne Negro, de Darren Aronofsky, com Natalie Portman. Mesmo assim, pelo que li, o filme me fez pensar em alguns pontos da vida de bailarino. Um deles, os testes quase diários a que são submetidos, as audições, a escolha de elenco, o desejo de dançar sempre. Como se escolhe um ou outro para um determinado papel?
Durante os dois anos que trabalhei na São Paulo Companhia de Dança, acompanhei mais de perto o dia a dia dos bailarinos e, entre aulas e ensaios, me envolvi pessoalmente com suas histórias, suas emoções, suas alegrias. Nesse tempo, passei por duas audições. Era uma expectativa receber currículos, vídeos e fotos de estudantes ou profissionais tentando uma vaga. Esta apresentação virtual selecionava os que poderiam vir para a segunda fase. A competição é dura e tem um pouco de sorte do momento: dependendo do ano, precisa-se de um tipo específico de bailarino, mais alto, mais baixo, mais homens ou mais mulheres.
Da lista de centenas, apenas 60, em média, chegavam para as provas na Companhia, 30 homens e 30 mulheres. Algumas etapas, aula de balé clássico, aula de moderno, sequências do repertório. A cada uma, novos cortes. No fim, apenas cerca de 10 são selecionados. Era uma alegria ver os que ficavam. A sensação de conquista é gratificante.
Contudo, é apenas o primeiro passo. A grande prova está por vir. Quando chegam às aulas e aos ensaios iniciais, a provação é bem maior. Eles começam a ser comparados aos outros profissionais que estão há mais tempo no grupo. Ganhar um papel especial, ser primeiro elenco, ter chances de mostrar seu talento são questões que fazem parte da profissão. Estão sozinhos e geralmente começam a carreira aos 18, 19 anos. Claro que nem sempre há o peso da personagem de Natalie Portman, mas é preciso uma inteligência diferente, que transita entre a perfeição técnica e o entendimento de cada um para carga de informações de professores, ensaiadores e coreógrafos.
Como se destacar em um meio no qual todos querem mostrar o melhor? Márcia Haydée, a grande bailarina brasileira, conta que, quando teve sua primeira chance profissional, no Balé do Marquês de Cuevas, ainda no corpo de baile, aprendeu todos os papéis, do conjunto aos solos. Foi assim que uma noite em Paris, quando as quatro solistas ficaram doentes, ela teve a chance de dançar um papel solo. Recebeu uma promoção em seguida. Não parou mais.
Gostaria e tive a permissão de falar de dois casos, que vi pessoalmente e são cada vez mais lindos no palco: Juliano Toscano, de Santa Catarina, e Nielson Souza, da Bahia. Os dois entraram na São Paulo na temporada de 2010. O que me chamou atenção desde o princípio foi: os convidados que entravam na sala de ensaio – e não são poucos – sempre perguntavam: quem são? Como eram aspirantes, não tinham grandes destaques, mas começaram a trabalhar rápido.
Nielson me disse sobre o primeiro dia de aula: "O primeiro dia de aula foi assustador, até porque tudo que é novo assusta de alguma forma. Sempre tive contato com muitos bailarinos de todos os gêneros, raças e desenvolvimento técnico. Mas,quando entrei na SPCD, fiquei intimidado pelo nível altíssimo do elenco e a forma como a dança estava presente na vida de cada um. Foi desafiador. Cada dia, cada aula, cada ensaio. Acredito que, como tantos outros, foi mais um degrau que tive que subir."
Juliano tem perfil mais clássico, Nielson, veia mais contemporânea. Mas os dois transitam entre as linguagens propostas pela Companhia. Cada um ao seu modo, o que vi foi uma incansável dedicação de ambos, sem muito alarde, sem falar demais. Eles aprenderam tudo o que podiam e, em menos de dois meses, estrearam em papéis de coreografias do repertório. E foram crescendo, se destacando. “Quando entrei, pensei, tenho que aprender tudo o que me pedirem. Isso me ajudou porque, a qualquer momento, poderia ser escalado para dançar e tive a oportunidade de mostrar meu trabalho muito rápido. Foi muito bom para mim dentro da Companhia”, me contou Juliano.
Driblaram suas dificuldades, aquele mal-estar de iniciar uma carreira (mesmo quem não é bailarino já deve ter sentido isso) e, agora, em 2011 estão no primeiro elenco em diferentes coreografias da Primeira Temporada da Companhia, que acontece no fim do mês (falo disso muito em breve): Juliano em Theme and Variations, também ensaia Tchaikosky Pas de Deux (que eu ainda não vi com ele), ambas de George Balanchine. Nielson dança Theme and Variations e Inquieto (estreia), de Rodovalho.
Pergunto sobre como conseguir se destacar em uma situação como a deles. “Acho difícil falar em destaque, ainda mais quando olho para o lado e vejo os bailarinos que tenho à minha volta. Sempre fui muito tímido e observador. Consigo absorver e extrair tudo que possa ser proveitoso para minha vida, e com a dança não é diferente. Quando cheguei, me perguntava se estava no lugar certo, se tinha condições de estar ali. Sempre fui muito autocrítico. Os primeiros meses serviram para me firmar como parte de tudo aquilo, ou melhor, me sentir parte de tudo aquilo. Depois foi bem mais fácil, só precisava fazer umas das coisas que mais amo na minha vida. E, pode soar meio piegas, mas tudo que a gente faz com amor, é incrivelmente bom!”, fala Nielson.
O que quero dizer é, longe dos cenários, figurinos e maquiagem, a sedução da dança é no esforço sem holofotes do cotidiano, com energia e disposição. Nem sempre o mais talentoso segue em frente, sem se dedicar, sem se envolver diariamente com a dança. Não é tarefa para amadores, mesmo eles sendo, na grande maioria, tão novos. Por isso, minha admiração pelos dois bailarinos citados aqui.
Durante os dois anos que trabalhei na São Paulo Companhia de Dança, acompanhei mais de perto o dia a dia dos bailarinos e, entre aulas e ensaios, me envolvi pessoalmente com suas histórias, suas emoções, suas alegrias. Nesse tempo, passei por duas audições. Era uma expectativa receber currículos, vídeos e fotos de estudantes ou profissionais tentando uma vaga. Esta apresentação virtual selecionava os que poderiam vir para a segunda fase. A competição é dura e tem um pouco de sorte do momento: dependendo do ano, precisa-se de um tipo específico de bailarino, mais alto, mais baixo, mais homens ou mais mulheres.
Da lista de centenas, apenas 60, em média, chegavam para as provas na Companhia, 30 homens e 30 mulheres. Algumas etapas, aula de balé clássico, aula de moderno, sequências do repertório. A cada uma, novos cortes. No fim, apenas cerca de 10 são selecionados. Era uma alegria ver os que ficavam. A sensação de conquista é gratificante.
Nielson Souza. Foto: Silvia Machado |
Como se destacar em um meio no qual todos querem mostrar o melhor? Márcia Haydée, a grande bailarina brasileira, conta que, quando teve sua primeira chance profissional, no Balé do Marquês de Cuevas, ainda no corpo de baile, aprendeu todos os papéis, do conjunto aos solos. Foi assim que uma noite em Paris, quando as quatro solistas ficaram doentes, ela teve a chance de dançar um papel solo. Recebeu uma promoção em seguida. Não parou mais.
Gostaria e tive a permissão de falar de dois casos, que vi pessoalmente e são cada vez mais lindos no palco: Juliano Toscano, de Santa Catarina, e Nielson Souza, da Bahia. Os dois entraram na São Paulo na temporada de 2010. O que me chamou atenção desde o princípio foi: os convidados que entravam na sala de ensaio – e não são poucos – sempre perguntavam: quem são? Como eram aspirantes, não tinham grandes destaques, mas começaram a trabalhar rápido.
Nielson me disse sobre o primeiro dia de aula: "O primeiro dia de aula foi assustador, até porque tudo que é novo assusta de alguma forma. Sempre tive contato com muitos bailarinos de todos os gêneros, raças e desenvolvimento técnico. Mas,quando entrei na SPCD, fiquei intimidado pelo nível altíssimo do elenco e a forma como a dança estava presente na vida de cada um. Foi desafiador. Cada dia, cada aula, cada ensaio. Acredito que, como tantos outros, foi mais um degrau que tive que subir."
Juliano tem perfil mais clássico, Nielson, veia mais contemporânea. Mas os dois transitam entre as linguagens propostas pela Companhia. Cada um ao seu modo, o que vi foi uma incansável dedicação de ambos, sem muito alarde, sem falar demais. Eles aprenderam tudo o que podiam e, em menos de dois meses, estrearam em papéis de coreografias do repertório. E foram crescendo, se destacando. “Quando entrei, pensei, tenho que aprender tudo o que me pedirem. Isso me ajudou porque, a qualquer momento, poderia ser escalado para dançar e tive a oportunidade de mostrar meu trabalho muito rápido. Foi muito bom para mim dentro da Companhia”, me contou Juliano.
Juliano Toscano. Foto: Silvia Machado |
Pergunto sobre como conseguir se destacar em uma situação como a deles. “Acho difícil falar em destaque, ainda mais quando olho para o lado e vejo os bailarinos que tenho à minha volta. Sempre fui muito tímido e observador. Consigo absorver e extrair tudo que possa ser proveitoso para minha vida, e com a dança não é diferente. Quando cheguei, me perguntava se estava no lugar certo, se tinha condições de estar ali. Sempre fui muito autocrítico. Os primeiros meses serviram para me firmar como parte de tudo aquilo, ou melhor, me sentir parte de tudo aquilo. Depois foi bem mais fácil, só precisava fazer umas das coisas que mais amo na minha vida. E, pode soar meio piegas, mas tudo que a gente faz com amor, é incrivelmente bom!”, fala Nielson.
O que quero dizer é, longe dos cenários, figurinos e maquiagem, a sedução da dança é no esforço sem holofotes do cotidiano, com energia e disposição. Nem sempre o mais talentoso segue em frente, sem se dedicar, sem se envolver diariamente com a dança. Não é tarefa para amadores, mesmo eles sendo, na grande maioria, tão novos. Por isso, minha admiração pelos dois bailarinos citados aqui.
Um comentário:
Bonito texto, Flávia. Bjs.
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