quinta-feira, 17 de abril de 2008

Dança para menores




Faz tempo que quero postar algo sobre a Balangandança Cia. Ano passado, por conta de um trabalho para a Secretaria da Cultura, acabei entrevistando a diretora do grupo, Georgia Lengos, e fazendo uma análise crítica sobre os espetáculos apresentados na 1ª Mostra do Fomento à Dança. Por coincidência, uma amiga me falou do grupo estes dias e selecionei parte do que já pensei e escrevi sobre a companhia que inaugurou a idéia no Brasil de fazer dança contemporânea para criança.

Quando a Balangandança Cia começou, há dez anos, a idéia parecia simples: fazer dança para criança. A questão mais importante era pesquisar como fazer isso. Ainda sem um projeto definido, Georgia tinha uma velha admiração pelas brincadeiras infantis.

O pontapé inicial para essa companhia foi dado quando ela torceu o joelho e precisou se afastar um pouco. Nesse meio tempo, uma crise artística a fez questionar seu antigo trabalho.

Depois de uma intensa pesquisa, os espetáculos começaram a nascer e deram à companhia recursos para abordar temas para esse público particular.

A dança é feita por bailarinos de formação contemporânea, com assuntos que interessam aos meninos e meninas de hoje, sempre no sentido de salientar o corpo, a movimentação, as brincadeiras entre duas ou mais crianças. Entre as coreografias, Brincos & folias (1997), Entrançasdescobrindo e redescobrindo o Brasil (1999) e RodaPé (2001). Alguns pontos ligam esses espetáculo: não subestimar a compreensão infantil, falar com propriedade, deixar claras as mensagens.

Dentro dessa perspectiva, a Cia Balangandança se lançou ao desafio de fazer dança contemporânea para criança respeitando seu universo, mas sem desmerecer suas convicções. Em todas as peças há dança, em primeiro lugar, e não é pouca, nem é leve ou ingênua; a interatividade leva em conta a movimentação das crianças; existe um trabalho de consciência corporal (apesar de essas palavras estarem um tanto desgastadas), ou seja, os espetáculos lembram aos espectadores que o corpo pode e precisa se movimentar, ele também permite brincadeiras e fantasias. Talvez o detalhe artístico fundamental seja que enxergarmos tudo isso e, ainda assim, nada parece didático ou arrogante.

De modo geral, os quatro bailarinos buscam nas peças novas maneiras de se divertir, munidos de imaginação e energia. Dança, nesse caso, significa recusa ao padrão atual de comportamento, em que ficar sentado ronda a maior parte do dia das crianças – pelo menos, as que vivem em grandes cidades. Redesenhando antigas brincadeiras e adaptando outras novas, eles vão dando forma ao espetáculo, ocupando o espaço usando os elementos cênicos ora como cenário ora como instrumentos para movimentar-se.

A companhia usa gestos do universo infantil, como o levantar de braços e pernas, a ocupação do chão ou ainda um ou outro modo típico da criança (pegar os pés com as mãos e levar até próximo à cabeça), mas não se limita a isso, tudo é mais sofisticado e ágil. Todas as partes do corpo são usadas em busca de uma comunicação. É um elaborado movimentar que encanta e, ao mesmo tempo, se aproxima da platéia.

Nessas danças-brincadeiras que se sucedem, um outro acerto, o entendimento de senso da urgência infantil. Com isso, o grupo consegue um tempo preciso, uma cena, quando chega ao ápice, é logo substituída. O uso da voz é tratado como extensão do corpo, mas, sem jamais, ultrapassar a linha da dança, trata-se de uma combinação de linguagem e não uma substituição.

É nessa aparentemente simples equação que a Cia Balangandança faz sucesso com o público que escolheu, ele respeita e entende a mensagem – embora os pais de crianças pequenas mereçam ser educados, muitas vezes, por elas; não há uma peça em que os pais não falem menos do que os filhos. Banlangandança para os menores causa surpresa e movimentação, para os adultos, certa nostalgia. Afinal, os tempos são realmente outros, nem sempre para melhor.

Esse modo de dançar e pensar a dança para criança talvez venha da experiência da primeira equipe da companhia que, além de Geórgia, trazia Lilian Vilela, Cristian Duarte, Dafne Michellepis e Anderson do Lago Leite. Todos bailarinos com experiências diversas, mas com a ligação de adaptar o corpo ao mundo contemporâneo, com suas nuances e marcas da cidade, tendo como um dos nortes a improvisação. Geórgia formou-se em dança na Unicamp e, como bailarina, trabalhou com a Cia 8 do Nova Dança, grupo que influenciou, particularmente em São Paulo na década de 1990, um modo de dançar, que privilegiava o intérprete, dividia a criação.
Essa linha do tempo serve como apoio para entender a história do Balangandança. No entanto, o projeto foi mais longe, trouxe novos modos de experimentar o corpo, invertendo, possivelmente, a ordem de prioridade para seus participantes.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Ivonice Satie e um depoimento público




Ontem, Ivonice Satie iniciou a série Figuras da Dança, uma parceria entre a Fundação Padre Anchieta e a São Paulo Cia da Dança. As gravações devem se transformar em futuros programas na TV Cultura.




Entre perguntas e colocações feitas por Inês Bogéa, Ivonice foi recuperando sua memória profissional que, em grande parte, também se funde e se confunde com a memória da dança paulista. Ela é boa de conversa, boa entrevistada, as respostas fluem com naturalidade.




Com mais de 40 anos de carreira e com passagens pelo Balé da Cidade de São Paulo, pela Cia de Diadema, pelo Ballet du Grand Theatre de Genève, o que fica de sua conversa e depoimento é a vivacidade do passado, uma história que desponta em ligações com o presente. Seu depoimento lança luz sobre um período essencial para o fortalecimento da dança na cidade, a década de 1970.




Em outro momento, revela sua atuação como diretora do Balé da Cidade de São Paulo, a aproximação com a cidade de Diadema, que resultou em um projeto amplo de divulgação e valorização da dança naquela cidade, principalmente com a formação da Cia de Diadema. Uma personalidade ágil e persistente, com um gosto por desafios, um modo de tratar o tempo e o corpo que deixaram marcas em bailarinos espalhados pelo mundo. Um figura da arte.






sexta-feira, 4 de abril de 2008

20 anos da Quasar Cia de Dança




Neste mês, a Quasar Cia de Dança, de Goiânia, comemora seus vinte anos de existência. Mais do que a efemiridade, a data serve para colocar projetos como esse em evidência, pois eles permitem o fortalecimento de um modo de ver e fazer dança, longe do eixo Rio-São Paulo. A companhia nasceu do esforço do coreógrafo Henrique Rodovalho e da diretora Vera Bicalho e seu reconhecimento se deve pela visão do corpo contemporâneo.

Em grande parte, a aceitação da Quasar Cia de Dança passa pelo desenvolvimento corporal visto através dos anos. Não foi um estilo pronto, definido desde o princípio. O grupo nasceu no final dos anos 80, como desmembramento do Grupo Energia, também sediado em Goiânia, e isso diz muito sobre seu perfil. Os primeiros trabalhos traziam um corajoso tatear, uma experimentação cheia de liberdades dos recursos cênicos em voga. Se no Brasil ocupar o espaço era tão importante quanto o movimento, Rodovalho incorporou esses elementos ao seu trabalho. Algumas peças foram encenadas em praças, parques. Se o uso de vídeo e de fotografia representavam uma forma de diálogo com a dança, o coreógrafo também testou.O início dos anos 90 foi assim para a companhia, cheio de possibilidades.
O gosto pelo humor, pela cultura brasileira, em todas as suas formas, e pelo homem contemporâneo, suas instigações, alegrias e dificuldades, apontou para a Quasar um caminho que foi se apurando ao longo dos anos. Tudo sempre filtrado pelos olhos urbanos e contemporâneos, o que impediu que suas melhores coreografias tivessem qualquer tratamento anacrônico ou literal.
Com medidas variadas entre os pontos descritos acima, as coreografias do fim da década de 90, particularmente Divíduo, de 1998, e Coreografia para Ouvir, de 1999, despontam pela acuidade do tratamento do corpo, dos temas e da aproximação entre eles. Esta última ainda é uma das mais apresentadas pela companhia. Nela, Rodovalho consegue imprimir um novo jeito de narrativa na dança. Inteiramente dançada com vozes gravadas de artistas populares nordestinos, a coreografia transforma os depoimentos em situações bem- humoradas.
Apesar de se aproximar da narrativa, ela nunca é convencional nos gestos e isso tira o peso da literalidade entre palavra e movimento. Rodovalho consegue inverter a situação: não é a fala popular que nos aproxima da coreografia, é pelo movimento dos corpos que conseguimos nos aproximar dos artistas populares. Coreografia para Ouvir é um grande exercício de exploração do corpo e um dos pontos altos da história do grupo.
Entre essas e outras coreografias do início dos anos 2000, a linguagem desenhada pela Quasar foi adquirindo nitidez. Nos moldes de hoje, há uma forte preocupação com o desenrolar do corpo no espaço, no tempo, não mais a urgência de experimentar lugares, brincar com as possibilidades do movimento. Em O+, de 2003, Rodovalho lança um olhar sobre a dança contemporânea, seu conteúdo, seus registros, seu sistema de aprovação no Brasil. Ela recupera um tanto da vivacidade dos primeiros tempos ao unir falas, placas e intervenções com a platéia.
Só Tinha que Ser com Você, de 2005, feita com as canções do álbum Elis & Tom, carrega esse caldeirão de influências, tentativas, êxitos e alguns erros; e surge principalmente de um afinado modo de tratar a cultura brasileira, no caso, com as músicas escolhidas. Como acontece com Coreografia para Ouvir, Henrique Rodovalho consegue novamente alterar nossa percepção: não é apenas a música que nos lança para a coreografia, é a coreografia que nos apresenta um novo meandro das músicas e uma possível forma de renovação. Ao drama e à narrativa presentes nas canções de amor do álbum, Rodovalho deu sua versão: o drama é revisto na coreografia pela intimidade criada pelos elementos da cena; a narrativa está diluída no modo como os corpos se movimentam.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Pequena história da Quasar




Em 1988, aos 24 anos, Henrique Rodovalho decidiu-se pela carreira de coreógrafo. Como a maioria dos criadores de sua geração, a inquietação em encontrar um estilo próprio deu a ele coragem e marcou a carreira da companhia que, também em 88, ajudou a fundar ao lado de Vera Bicalho, a Quasar Cia de Dança, em Goiânia, sua cidade natal. Rodovalho fez educação física e artes marciais. Conheceu a dança depois, no no meio acadêmico. Encantado, resolveu mudar-se para o Rio de Janeiro. Nessa busca, a ginástica, a dança de rua, a luta tornaram-se recursos para sua investigação. Somem-se a isso técnicas de dança moderna e ritmo urbano.


A Quasar traçou seu caminho ao longo dos vinte anos de existência em meio a essa pluralidade e a uma grande habilidade corporal. E Goiânia não representou um exílio cultural nem uma acomodação intelectual. O país é que voltou seus olhos com curiosidade para a dança que se fazia por lá, guiada pelo nome de Rodovalho.


Ele se tornou o criador aplaudido por traçar um modo de dançar urbano em constante diálogo com a cultura brasileira. Suas coreografias são de grande precisão técnica, feitas de movimentos matemáticos, calculados e, ao mesmo tempo, fluentes no modo como um gesto se liga ao outro. Na estranha harmonia criada por Rodovalho, o corpo não atua em uma simetria convencional: a cabeça pode deitar para um lado, enquanto um braço e os quadris vão para lados opostos; trata-se de um corpo de múltiplos vetores impulsionando os gestos. Em grande medida, a comoção dos espetáculos acontece pela decisão de explorar o vocabulário físico no limite característico, que nos permite observar seu sofisticado corporal.


Nesta comemoração de 20 anos, a Quasar Cia de Dança merece e encontra um lugar na primeira fila na dança contemporânea brasileira.


quarta-feira, 2 de abril de 2008

Tempos clássicos 2

Dias atrás, escrevi sobre a coleção de dança que está nas bancas. Eu realmente acredito que isso é uma chance boa para quem está envolvido com dança e quer ou precisa destas referências de obras clássicas.

Mas queria colocar duas novas questões: a primeira edição custou R$ 19,99 e as novas serão R$ 39,99. Não é um preço muito atrativo para banca. Apesar de ser um pouco mais barato que as versões importadas, ainda é caro. Outro ponto, os libretos são ruins. Ou melhor, eles não trazem nada realmente complementar à obra (no caso de Branca de Neve ele nem diz de quando é a montagem). Com tanta falta de informação sobre dança, isso seria de grande valia para quem compra.

Ruth Rachou e a dança em São Paulo


A Galeria Olido, em São Paulo, presta homenagem nesta semana aos 80 anos da bailarina e professora Ruth Rachou. Vir a ser, espetáculo que será apresentado de sexta a domingo a coloca próxima de seus alunos e seguidores. Na próxima semana, a sala Crisantempo recebe o mesmo espetáculo.

Ruth Rachou faz parte da geração que apareceu pela primeira vez com o Balé do IV Centenário (um marco decisivo na história da nossa dança). Depois do precoce fim da companhia, participou de vários grupos e montagens, até criar sua própria escola, em 1972, onde até hoje é responsável pela disseminação da técnica moderna de Martha Graham. Mais do que isso, ela fortaleceu a carreira de outros importantes nomes da dança, como Célia Gouvêa, Mara Borba e José Possi Neto.

No livro Dança Moderna (São Paulo, Secretaria Municipal da Cultura, 1992) a pesquisadora Cássia Navas faz uma interessante relação entre o nascimento da dança moderna e o da dança paulista. Ela escreve assim:

“Isadora Duncan (1877-1927), Maud Allan (1880-1945), Loie Fuller (1862-1928), Ruth Saint-Denis (1879-1968), Mary Wigman (1886-1973), Martha Graham (1884-1991), Doris Humprey (1895-1958). Na gênese da dança moderna, a maior parte de seus construtores era mulheres. Várias pesquisas tentam dar conta do porquê desta especificidade, sem, contudo, excluir de suas considerações o papel dos homens na modernização da linguagem. Esses estudos apontam para possibilidades diversas, como a ligação entre os movimentos feministas da virada do século e a primeira geração da dança moderna. Quando se pensa na experiência paulista na dança, esta característica histórica salta aos olhos: professoras, coreógrafas e bailarinas modernas espalharam suas práticas e idéias na cidade, atuando em campos diferenciados das artes, educação e cultura. Funcionaram como matrizes de inquietações e novidades, influenciando, através de suas aulas, espetáculos e palavras, algumas gerações de artistas da capital.”

Ruth Rachou pertence a essas mulheres pioneiras, que trouxeram investigações e disseminaram novas formas de olhar o corpo e a dança. Seu trabalho e persistência merecem essa e outras comemorações.