Neste mês, a Quasar Cia de Dança, de Goiânia, comemora seus vinte anos de existência. Mais do que a efemiridade, a data serve para colocar projetos como esse em evidência, pois eles permitem o fortalecimento de um modo de ver e fazer dança, longe do eixo Rio-São Paulo. A companhia nasceu do esforço do coreógrafo Henrique Rodovalho e da diretora Vera Bicalho e seu reconhecimento se deve pela visão do corpo contemporâneo.
Em grande parte, a aceitação da Quasar Cia de Dança passa pelo desenvolvimento corporal visto através dos anos. Não foi um estilo pronto, definido desde o princípio. O grupo nasceu no final dos anos 80, como desmembramento do Grupo Energia, também sediado em Goiânia, e isso diz muito sobre seu perfil. Os primeiros trabalhos traziam um corajoso tatear, uma experimentação cheia de liberdades dos recursos cênicos em voga. Se no Brasil ocupar o espaço era tão importante quanto o movimento, Rodovalho incorporou esses elementos ao seu trabalho. Algumas peças foram encenadas em praças, parques. Se o uso de vídeo e de fotografia representavam uma forma de diálogo com a dança, o coreógrafo também testou.O início dos anos 90 foi assim para a companhia, cheio de possibilidades.
O gosto pelo humor, pela cultura brasileira, em todas as suas formas, e pelo homem contemporâneo, suas instigações, alegrias e dificuldades, apontou para a Quasar um caminho que foi se apurando ao longo dos anos. Tudo sempre filtrado pelos olhos urbanos e contemporâneos, o que impediu que suas melhores coreografias tivessem qualquer tratamento anacrônico ou literal.
Com medidas variadas entre os pontos descritos acima, as coreografias do fim da década de 90, particularmente Divíduo, de 1998, e Coreografia para Ouvir, de 1999, despontam pela acuidade do tratamento do corpo, dos temas e da aproximação entre eles. Esta última ainda é uma das mais apresentadas pela companhia. Nela, Rodovalho consegue imprimir um novo jeito de narrativa na dança. Inteiramente dançada com vozes gravadas de artistas populares nordestinos, a coreografia transforma os depoimentos em situações bem- humoradas.
Com medidas variadas entre os pontos descritos acima, as coreografias do fim da década de 90, particularmente Divíduo, de 1998, e Coreografia para Ouvir, de 1999, despontam pela acuidade do tratamento do corpo, dos temas e da aproximação entre eles. Esta última ainda é uma das mais apresentadas pela companhia. Nela, Rodovalho consegue imprimir um novo jeito de narrativa na dança. Inteiramente dançada com vozes gravadas de artistas populares nordestinos, a coreografia transforma os depoimentos em situações bem- humoradas.
Apesar de se aproximar da narrativa, ela nunca é convencional nos gestos e isso tira o peso da literalidade entre palavra e movimento. Rodovalho consegue inverter a situação: não é a fala popular que nos aproxima da coreografia, é pelo movimento dos corpos que conseguimos nos aproximar dos artistas populares. Coreografia para Ouvir é um grande exercício de exploração do corpo e um dos pontos altos da história do grupo.
Entre essas e outras coreografias do início dos anos 2000, a linguagem desenhada pela Quasar foi adquirindo nitidez. Nos moldes de hoje, há uma forte preocupação com o desenrolar do corpo no espaço, no tempo, não mais a urgência de experimentar lugares, brincar com as possibilidades do movimento. Em O+, de 2003, Rodovalho lança um olhar sobre a dança contemporânea, seu conteúdo, seus registros, seu sistema de aprovação no Brasil. Ela recupera um tanto da vivacidade dos primeiros tempos ao unir falas, placas e intervenções com a platéia.
Só Tinha que Ser com Você, de 2005, feita com as canções do álbum Elis & Tom, carrega esse caldeirão de influências, tentativas, êxitos e alguns erros; e surge principalmente de um afinado modo de tratar a cultura brasileira, no caso, com as músicas escolhidas. Como acontece com Coreografia para Ouvir, Henrique Rodovalho consegue novamente alterar nossa percepção: não é apenas a música que nos lança para a coreografia, é a coreografia que nos apresenta um novo meandro das músicas e uma possível forma de renovação. Ao drama e à narrativa presentes nas canções de amor do álbum, Rodovalho deu sua versão: o drama é revisto na coreografia pela intimidade criada pelos elementos da cena; a narrativa está diluída no modo como os corpos se movimentam.
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